As duas casas de Messi

Lionel Messi nasceu e descobriu o que é uma bola em Rosário, simpática cidade argentina cortada pelo Rio Paraná, que também tem como filho ilustre Ernesto “Che” Guevara.

Nesta terra que deu ao mundo dois dos mais conhecidos argentinos da história, vivemos e trabalhamos em um hostel por cerca de 40 dias. Lá nos tornamos muito amigos de um hincha fanático do Newell’s Old Boys, o Carlitos Rioja, que prometeu que nos levaria a um jogo da equipe logo que nos conhecemos.

Lionel Messi descobriu o que é uma partida de futebol atuando pelas categorias de base do Newell’s Old Boys, onde jogou até os 12 anos de idade.

Em uma sexta-feira, Carlitos Rioja nos avisou que o Newell’s jogaria contra o Independiente no dia seguinte e que ele tinha conseguido ingressos para a gente com um líder da Barra Brava rojinegra.

Chegado o sábado, fomos à casa do tal líder da torcida local para pegar os ingressos e de lá saímos acompanhados de outros cinco torcedores a caminho do Estádio Marcelo Bielsa, casa do Newell’s. Ainda faltavam umas quatro horas para o início do jogo. A caravana seguia lentamente e a cada esquina parávamos para comprar mais vinho barato para misturar com refrigerante ou esperar mais torcedores que se somavam à caminhada. Esta era a primeira partida do time em casa na temporada e estavam todos loucos para matar as saudades da cancha.

Entrada ao Estádio Marcelo Bielsa
Entrada ao Estádio Marcelo Bielsa

Lionel Messi foi levado de Rosário à Catalunha aos 13 anos, onde foi integrado às equipes juvenis do Barcelona e preparado para ser o melhor jogador de futebol do mundo.

Alguns meses depois de deixar Rosário, nos estabelecemos em Barcelona, onde também conseguimos trabalho em um hostel. Logo que chegamos, descobrimos que o time de Messi enfrentaria o Málaga no Camp Nou, e, assim como todos os turistas, nos apressamos para comprar nossos ingressos. Acessamos o site oficial do clube e pagamos caro pelos assentos meticulosamente escolhidos.

No dia do jogo, também um sábado, fizemos um churrasco para os hóspedes do hostel e saímos em caravana ao estádio. O pessoal falava alto, em inglês, animado para ver o craque de perto. “Málaga is a shitty team”, diziam. “I’m sure Barcelona will score a lot of goals”. A expectativa era de show do trio MSN – Messi, Suárez e Neymar. Era o mínimo a se esperar, considerando o preço pago pelos ingressos.

Barcelona enfrenta Málaga no Camp Nou
Barcelona enfrenta Málaga no Camp Nou

Enfrentamos uma grande fila para entrar no estádio do Newell’s, sob olhares que nos perguntavam que carajo estávamos fazendo ali. Nos enfiamos onde pudemos, em meio à Barra Brava. O lugar era atrás do gol e era impossível ver o que acontecia quando a jogada se aproximava. Mesmo que a arquitetura do estádio permitisse, era muito difícil prestar atenção na partida sendo empurrado de um lado para o outro pela Banda Más Popular, a respeitada torcida local. Para não cair em cima de ninguém era necessário agarrar firme as faixas que cortam toda a arquibancada, amarradas às duas extremidades.

Dentro de campo, o jogo era pegado, ainda que de péssima qualidade técnica. O time da casa sofria para armar alguma jogada ofensiva e se defendia ainda pior. O primeiro tempo terminou em 2 a 0 para o Independiente. Nós não vimos nenhum dos gols. Só descobrimos o placar no intervalo, pois não houve nenhuma reação aos tentos do adversário. A banda seguia re loca.

A entrada ao Camp Nou foi tranquila. Chegamos ao estádio 10 minutos antes do início da partida, passamos pelas catracas eletrônicas e encontramos facilmente os nossos assentos marcados. O lugar não era dos melhores: atrás do gol, permitia pouca visibilidade do que acontecia do outro lado do campo. Ainda assim, não havia pontos cegos e a plateia raramente se levantava para dificultar a visão. Ouvia-se mais aplausos do que cantos. Como os comentaristas esportivos brasileiros gostariam que acontecesse no Brasil, as famílias estavam no estádio. Havia velhinhas enroladas em cachecóis do Barça, crianças trajando o uniforme completo, grandes filas para cachorro quente. Uma festa.

O Barcelona parecia não ter pressa para vencer o Málaga. Trocava passes precisos e tinha pouca ansiedade para chegar ao ataque. A genialidade de Messi e Neymar era notada pelas dominadas, pelos lançamentos. É realmente diferente vê-los ao vivo. Mas nenhum deles arriscava fazer o que sabe de verdade. Já o adversário se mostrava nervoso quando tocava na bola e logo a perdia.

A grandeza do Barcelona é intimidante. Eles sabem que vão ganhar e os visitantes sabem que vão perder. Sem nenhum espetáculo, o primeiro tempo terminou em um morno 0 a 0.

O segundo tempo começou quente no Estádio Marcelo Bielsa. Empurrado pela torcida, o Newell’s brigou por cada centímetro de campo, ainda que limitado pela ausência de talentos consideráveis. O primeiro gol demorou, mas veio. E logo puxou o empate. A euforia dominou time e torcida. Não lembramos como foram os gols e muito menos quem foram seus autores. A adrenalina geral dava a impressão de que se tratava de uma final, um clássico, ao menos um jogo decisivo de mata-mata. Era apenas a primeira rodada do torneio de pontos corridos. Mal percebemos quando o Independiente fez o quinto e último gol da partida, determinando a derrota dos donos da casa por 3 a 2.

Na saída do estádio, não se notava grande decepção. Foi uma derrota, mais uma. “Semana que vem estaremos aqui de novo”, diziam alguns “leprosos”, apelido pejorativo assumido com orgulho pela torcida do Newell’s.

La Hinchada Más Popular
La Hinchada Más Popular

No Camp Nou, o Barcelona voltou ao segundo tempo mais atento. Messi tentou alguns chutes de fora da área, tabelou com Neymar e deu algumas pequenas demonstrações de seu infinito dom. Nada perto do que é realmente capaz de fazer. Como todos sabiam –inclusive o Málaga e o Barcelona-, o time da casa acabou encontrando o seu gol. Após uma jogada raçuda de Suárez, Vermaelen aproveitou um rebote para marcar pela primeira vez pelo clube. E assim o jogo terminou, sem emoções extremas: 1 a 0. Palmas, selfies e sorrisos.

Ao sair, no entanto, alguns pareciam decepcionados, e nós também. O ingresso havia sido muito caro, merecíamos uma exibição futebolística mais exuberante. Mas tudo bem, a noite de Barcelona apenas começava e os turistas estavam ready to party.

Nós no Camp Nou
Nós no Camp Nou

Lionel Messi dificilmente voltará a jogar profissionalmente em Rosário. Certamente não o fará enquanto for o melhor jogador do mundo. Nossos campos sudacas não devem voltar a ver o esporte sendo praticado em seu mais alto nível. Mas, cá entre nós, de uma coisa sabemos: nosso continente é a casa do futebol. Que ao menos não nos tirem isso.

Anah y Leo

Anah é designer e infografista e Leo é jornalista e videomaker. Companheiros há "dois anos e pico", decidiram sair em uma busca mundo adentro. <3