Nem bem havíamos chegado em Cartagena, escutamos uma conversa entre a administradora de um hostel e uma hóspede. “Ela é estrato um”, dizia a primeira, referindo-se à funcionária da limpeza, Brenda.
A administradora usava o “estrato” a que Brenda “pertencia” para justificar alguma falha na higiene do local. Neste ponto ainda não conhecíamos a definição colombiana de estrato, mas a fala nos chamou bastante a atenção e fomos atrás de descobrir do que se tratava.
A Colômbia é um país muito parecido com o Brasil em diversos aspectos. Bogotá tem a efervescência cultural de São Paulo, com teatros, bares e restaurantes lotados de gente com grana, enquanto os pobres habitam as distantes periferias. Sua noite é agitada nas baladas e ameaçadora nas ruas.
Já a costa caribenha se assemelha mais ao Nordeste, com praias maravilhosas e uma cultura viva e colorida. Lá, muita gente vive de vender sua música e artesanato aos turistas, de aplicar golpes aos estrangeiros ou de muito trabalho sob o sol impiedoso. Como no Nordeste, a maioria da população descende dos escravos africanos.
Tal qual acontece no Brasil, o passado escravocrata da Colômbia está presente em cada aspecto da vida social atual e a desigualdade é notada no primeiro contato. A questão, no entanto, é tratada de maneira diferente pelos governos dos dois países.
Quando a administradora do hostel chamou sua funcionária de “estrato um”, não usou uma expressão popular preconceituosa, mas um conceito oficial. As cidades colombianas são divididas em estratos, que vão do um ao seis, em ordem crescente de condições materiais.
Um bairro pobre e periférico está assinalado pelas prefeituras como estrato um, e um bairro rico e central, como o cartagenero Bocagrande, situa-se em uma zona de estrato seis. Assim são as coisas desde a década de 1980.
Embora controversa, a divisão tem um motivo. Famílias residentes em zonas de baixos estratos pagam menos impostos pelos serviços públicos do que aquelas que vivem em regiões mais ricas.
Do estrato um ao três, se paga pelos serviços menos do que eles valem, e o contrário acontece com os estratos cinco e seis. Assim, segundo a lógica desta política, os ricos estão pagando pelos serviços recebidos pelos pobres.
Entretanto, a estratificação, que teoricamente seria aplicada apenas a bairros e regiões, termina valendo também para pessoas. Depois de um tempo, descobrimos que é normal aos colombianos se chamarem uns aos outros como “estrato um” ou “estrato três”, sempre de maneira preconceituosa.
Como no Brasil, a sociedade colombiana já não se dá conta de como a discriminação de classe e raça está absolutamente naturalizada no trato social. Mas choca deparar-se com a segregação feita de maneira clara e aberta pelo Estado em uma espécie de sistema de castas latino americano.
O assunto logicamente divide opiniões e há muito o que pesquisar sobre isso. Uma sugestão de leitura é esta matéria da BBC.