As ruas estreitas do centro histórico de Potosí estão sempre cheias. Pelas calçadas, se espremem jovens estudantes com seus terninhos e mochilas de rodinha, senhoras vendedoras de tudo -folhas de coca, cigarros, papel higiênico, empanadas-, cholitas que levam seus bebês atados às suas costas, e os turistas, com suas enormes mochilas, rostos rosados e o inglês impecável.
Eles caminham por Potosí sacando fotos de antigas igrejas, das belas montanhas, dos trajes típicos das bolivianas.
A maioria não desconfia que desta cidade pobre foi extraída boa parte da riqueza que permitiu aos seus países desfrutar da prosperidade que têm hoje.
Em “As veias abertas da América Latina”, o já saudoso Eduardo Galeano descreve com ricos detalhes como a exploração da prata potosina foi um dos combustíveis para o desenvolvimento do capitalismo europeu.
No apogeu do ciclo da prata, entre os séculos XVI e XVII, Potosí foi o centro da América espanhola. “Diziam que até as ferraduras dos cavalos eram feitas de prata na época do auge da cidade de Potosí”.
“Aquela sociedade potosina, doente de ostentação, só deixou à Bolívia a vaga memória de seus esplendores, as ruínas de suas igrejas e palácios, e oito milhões de cadáveres de índios”, escreveu Galeano. Há séculos a prata deixou a Bolívia para enriquecer ingleses, holandeses, espanhóis. Ficaram o subdesenvolvimento de um país que não se industrializou, o trabalho duro nas minas já secas do metal precioso e o frio gélido do inverno.
Enquanto sobem ofegantes as ladeiras da cidade mais alta do mundo, a 4.000 metros de altitude, os turistas não associam essa história de saqueio às atuais condições da Bolívia. Veem como pitorescas as comidas vendidas na rua com pouca higiene e comemoram os baixos preços dos produtos. Acham estranha a frieza dos comerciantes. Afinal, o turismo sustenta esse lugar, não?
A América Latina é um bom custo benefício para quem ganha em euros, libras ou dólares.
Nós também temos os olhos azuis e dividimos com nossas enormes mochilas as calçadas potosinas com os indígenas. Também desfrutamos os baixos preços locais. Somos, possivelmente, as maiores contradições caminhantes dessa cidade. Temos, como os bolivianos, as veias abertas da América Latina em nossos corpos. Somos brasileiros, ora. Mas em nossas veias corre o sangue do europeu opressor.
Dói quando somos chamados de gringos e conseguimos criar uma empatia maior quando dizemos que somos brasileiros.
Aí nos lembramos da situação dos bolivianos no centro de São Paulo. Será que somos diferentes dos europeus que chegam aqui sem falar espanhol? Talvez devêssemos nos sentir mal por não falar quechua.
Desculpe, Potosí. Também somos cúmplices de sua tragédia.