Um caminhão cheio de coca

As nuvens cobriam o céu e a Rota 9 começava a se tornar um lugar hostil para duas pessoas com todos os seus pertences nas costas, quando Miguel desacelerou o caminhão e estacionou ao nosso lado.

Agradecemos a ele por nos resgatar da estrada com a promessa de nos aproximar um pouco do nosso destino. Para ele, a carona também era vantajosa, já que a nossa “charla” (papo) o ajudava a combater o sono.

Miguel falou muito sobre o quanto o sono o afetava nas jornadas de até 30 horas seguidas de volante. Em alguns minutos, a conversa foi para outros lados, até que perguntamos que carga estávamos levando.

“Coca”, disse ele. “Coca?”, perguntamos. “Sim, coca”, respondeu.

Enquanto pensávamos em como reagir a isso, Miguel continuou: “Coca, Fanta, Sprite, todos os produtos da empresa”. Em um cálculo rápido, concluímos que o veículo carregava 300 mil pesos argentinos (R$ 60 mil, na conversão paralela) em bebidas gasosas.

Nesse caminhão cheio de Coca começamos a percorrer os 900 km que separam a grande cidade de Rosario do povoado vinicultor de San Rafael, em Mendoza. O percurso foi feito em dois dias, por meio de quatro caminhões, quatro carros de passeio e um ônibus fora de serviço.

Além dos refrigerantes, viajamos pelas autopistas argentinas com milho, barras de ferro e areia. Os caminhoneiros tinham sotaques e hobbies diferentes, mas todos deixavam suas famílias por semanas para transportar os produtos.

Miguel gosta de motos velozes -a sua chega a 300 km/h- e tem forte sotaque do norte argentino (algo comparável ao “caipira” brasileiro). Juan vive em Río Cuarto e tem um filho.

Walter adora os mochileiros e está construindo uma casa grande para a família. Seu filho mais velho tem 13 anos e já foi viajar duas vezes com o pai. Em seu quarto, há um mapa da Argentina. Quando falam por telefone, o filho pergunta em que cidade Walter está, e procura o local no mapa.

Cada um desses homens nos ajudou a avançar um pouco nosso caminho pelo mapa. O último foi Eduardo, um senhor de 60 e poucos anos que nos encontrou na estrada deserta e com sol de rachar entre San Luis e San Rafael.

Parou para nós, mas, ainda desconfiado, não sabia se nos deixaria entrar. Por fim, ficou com pena de nos deixar na rodovia vazia e nos “levantou” ao caminhão. Conservador, católico, começou a viagem dizendo que não nos entendia. Que só parou para nós porque temos “cara boa” e somos “limpos”, ao contrário da maioria dos mochileiros.

Eduardo nos contou que comprou uma moto e viajou ao Machu Picchu com os amigos. E diz que não nos entende.

Todos eles conheciam muito bem a Argentina por suas estradas, mas pouco de suas atrações. Quem viaja em caminhão não pode se distanciar da carga, nem do veículo. É carregar, viajar, entregar e voltar.

Falamos muito e escutamos mais durante esses dois dias de paisagens que mudam rápido até chegar no território do vinho. Chegamos com a certeza de que recorrer a Argentina de caminhão é muito possível. Basta charlar.

 

Não passa nada na estrada

[stag_video src=”https://youtu.be/OeoJCKJoMb0″]

Chegando!

[stag_video src=”https://www.youtube.com/watch?v=BG9xlsCvuf4″]

Anah y Leo

Anah é designer e infografista e Leo é jornalista e videomaker. Companheiros há "dois anos e pico", decidiram sair em uma busca mundo adentro. <3